Depois de uma longa espera, o corpo do canoinhense Douglas Milchevski, de 18 anos, enfim chegou a Canoinhas na madrugada desta quinta-feira (23). O corpo está sendo velado na comunidade do Lageado, onde mora sua família. O sepultamento ocorrerá à tarde no Cemitério da comunidade do Rio d’Areia de Baixo.
Douglas era solteiro e deixa os pais, irmãos, demais parentes e amigos. Ele não tinha filhos.
Segundo parentes, Douglas estava na casa que dividia com a irmã na cidade de São Sebastião, no litoral paulista, quando entre a noite de sábado (18), e madrugada de domingo (19), ocorreu o desmoronamento que deixou pelo menos 47 mortos. Há dezenas de desaparecidos.
Dos 47 corpos, 19 foram identificados oficialmente pela Defesa Civil, mas o nome de Douglas não consta em nenhuma lista divulgada pela imprensa paulista, o que gerou desencontro de informações nesta quarta-feira (22). Parentes de Douglas se queixavam da falta de informações quando o corpo do rapaz já estava a caminho de Canoinhas.
SONHO DE UMA VIDA MELHOR
Douglas estava há quatro meses em São Sebastião, para onde foi depois que a irmã mais velha tinha se estabilizado há um ano trabalhando em uma casa de família. Ela trabalhava na casa da dona de uma escola, onde o irmão era monitor das crianças.
Douglas estava sozinho na noite da tragédia, já que a irmã havia saído de carro pouco antes até o centro de São Sebastião, para levar uma cozinheira colega de trabalho para casa. Quando ela voltou, já encontrou a estrada interditada pelas quedas de barreira. Ela só recebeu a confirmação da morte do irmão na segunda-feira (20). Mesmo com a confirmação, ela teve dificuldades de chegar até o Instituto Médico Legal para providenciar a liberação do corpo, o que acarretou na demora de a família obter notícias do traslado. Somente nesta quarta-feira (22), à tarde, veio a confirmação de que o corpo estava a caminho.
ALERTA
Um relatório apresentado em dezembro de 2018 pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, mostrava que havia em São Sebastião 161 moradias em áreas de risco alto para deslizamentos. O documento apontou ainda que 2.043 moradias estavam em áreas de risco médio ou baixo para deslizamentos no município.
O documento do IPT não listou na área da Barra do Sahy, no litoral Norte, um dos locais mais afetados pelos temporais ocorridos no domingo, 19, nenhuma construção em situação de risco alto ou muito alto. Isso mostra, segundo o diretor técnico do IPT, Fabrício Mirandola, que o pode ter tido uma ampliação da ocupação irregular desde a publicação do relatório. Ele destaca ainda que, pelo relato dos moradores, as vítimas foram atingidas pela lama quando deixavam as residências.
“Parte das pessoas que foram atingidas não estavam mais dentro das casas, elas estavam nas ruas e nas vielas, saindo, fugindo das moradias. Quando a gente tem esse processo de liquefação do solo, esse material tende a seguir o caminho das ruas, porque a rua normalmente segue o caminho natural da água”, disse.
MAIS RECORRENTES
O diretor ressalva ainda que o relatório de 2018 foi feito baseado em dados da média histórica de chuvas do local e não previa a ocorrência atípica das precipitações que atingiram a região no último domingo. Mas, segundo ele, o episódio recente pode indicar uma nova tendência.
“E aí a gente acaba tendo, menos de 10 anos depois, um evento que é quase cinco vezes maior do que esse [de 2014]. Realmente a gente vem tendo modificações no clima”, destacou. “Isso pode indicar, a gente não consegue cravar mas, pelo que a gente vem vendo dos históricos, que eventos extremos como esse eles vão ser mais recorrentes, e a gente precisa para preparado”, acrescentou.
Ele conta que o relatório faz referência a um temporal ocorrido em 2014 na região, que acumulou cerca de 180mm de chuva. Pelo modelo utilizado no documento, o instituto previu que uma nova chuva desse porte poderia voltar a ocorrer apenas daqui a 60 anos, previsão chamada tecnicamente de tempo de retorno.
PROCESSO NATURAL
Para o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, e diretor da Federação Brasileira de Geólogos, Fábio Augusto Reis, o evento ocorrido no litoral Norte é um processo natural da região e deverá continuar a acontecer no futuro.
“Já ocorreram outros eventos, não com essa magnitude, mas eventos extremos na história do Brasil, na Serra do Mar. Isso vai continuar ocorrendo. Outros exemplos extremos vão ocorrer, isso faz parte do processo natural e a Serra do Mar é uma serra que sempre teve processos de deslizamentos, escorregamento, e vai continuar tendo”, disse.
Ele cita, como exemplo, os deslizamentos em série que ocorreram em 1967 no município de Caraguatatuba, também no litoral Norte, em que morreram cerca de 450 pessoas. “O evento de 67 foi muito pior. Só que, naquela época, tinha 15 mil pessoas morando em Caraguatatuba. Se aquele mesmo evento tivesse ocorrido hoje, estaríamos falando de milhares de pessoas mortas”.
“Então é isso que a gente tem que separar: o evento natural vai continuar. Agora, o grande problema está na ocupação, na ocupação desordenada que ocorre nessas cidades”, acrescentou.