Existem diversas maneiras de se referir ao bom e velho estrogonofe: “strogonoff”, “stroganov” ou, se você é versado em russo (e no alfabeto cirílico), “бефстроганов”. Quase tantos jeitos quanto variações do prato: de frango, de carne, com camarão e até com palmito.
Na última semana, navegando pelo maravilhoso mundo do YouTube culinário, deparei-me com este vídeo, da chef Paola Carosella, no qual ela ensina a preparar um autêntico stroganoff russo. Sim, “stroganoff” – com “a” mesmo. E como ela ganhou tantas variações pelo mundo? Abra seu saco da batata palha e vamos lá.
A história do prato
O nome da comida vem de uma antiga e tradicional família da Rússia, os Stroganov (em francês, a grafia mudava para “Stroganoff”). No século 16, durante o reinado de Ivan, o Terrível (1530-1584), eles eram extremamente influentes, atuando como comerciantes, donos de terra e membros da política. Nessa época, os Stroganov foram um dos financiadores da conquista da Sibéria, no período de maior expansão territorial russa.
Apesar da fama, traçar a origem exata do prato (e a qual membro da família ele se refere) é uma tarefa mais complicada. Alguns a atribuem ao conde e diplomata Pavel Stroganov – que teve importante atuação política no reinado de Alexandre I (1777-1825) – ou a um de seus cozinheiros franceses. As lendas dizem, inclusive, que o corte da carne do estrogonofe, em tiras finas, foi inventado porque o conde era velho e tinha dentes ruins.
É uma história divertida, mas pouco provável que seja verdade: quando o prato foi criado para um de seus descendentes, o conde já tinha batido as botas. Uma das hipóteses mais aceitas é a de que o inventor seja Charles Briere, um cozinheiro francês que trabalhava para os Stroganov em São Petersburgo – hoje, inclusive, é possível visitar o palácio da família por lá. O estrogonofe, em sua origem, era comida de rico.
A história envolvendo Briere é bastante plausível, já que o estrogonofe é uma amálgama da culinária francesa com a russa. O cozinheiro teria misturado um jeito clássico francês de preparar a carne (dourada e flambada, com mostarda) com smetana – creme azedo, um dos ingredientes mais importantes da terra da vodca. Ele vai em tudo (sopas, saladas e até em sobremesas), chegando a aparecer em livros.
A enciclopédia culinária Larousse Gastronomique considera Briere o inventor da receita – ele teria apresentado o prato beef stroganov em uma competição promovida por uma revista francesa de gastronomia.
No entanto, alguns anos antes, em 1871, a obra A Gift to Young Housewives (“Um Presente para Jovens Donas de Casa”, em português), um clássico livro de receitas russo escrito por Elena Molokhovets, já trazia uma versão do “Govjadina po-strogonovski, s gorchitseju” – algo como “carne à la Stroganov, com mostarda” – o que coloca a história toda de Briere em questão.
Pelo mundo
Nos Estados Unidos, a receita se tornou popular graças a restaurantes abertos pelos imigrantes, como a Russian Tea Room, aberta em 1927 em Nova York por antigos membros do Ballet Imperial Russo. Ali, o estrogonofe encontrou outros parceiros, como os cogumelos e o molho de tomate (ou, em alguns casos, o ketchup – afinal, estamos falando dos EUA).
Foi na terra do tio Sam que as batatas cozidas à moda russa foram trocadas por outro acompanhamento que hoje, para muitos, é indispensável: batatas fritas, cortadas em palitos finos.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a popularidade do estrogonofe deslanchou. Em regiões da China, como Hong Kong, o prato passou a ser servido em restaurantes e hotéis, acompanhado de arroz, ingrediente básico da culinária chinesa.
No Brasil, o prato era extremamente popular nas décadas de 1960 e 1970. Nessa época, era chique preparar jantares e receber convidados com estrogonofe. Por aqui, o creme azedo, pouco popular, foi substituído por outro laticínio, bem mais acessível: o creme de leite. E da batata frita para a palha, é um pulo: a praticidade às vezes fala mais alto.